A estante. A agenda com todos os últimos registos de vida. Parto daqui para fora. Acabo de queimar a câmara dos desejos naquela casa perversa. Agora, só escombrose dor. A morte de alguém, um dia colorido na minha hirsuta barba e um cabelo agitado ao vento, destrambelhado. Os pés nus e a cara rija. Frio é o que não falta na serra da Peneda. Castro Laboreiro, Lamas de Mouro. Aqui estou bem, posso dormir descansado de todos os crimes cometidos. Um bornal ajustado à razão do meu corpo, a sudação de uma pele e um olhar de garrano atento entre as urzes e os vidoeiros. Alta roda da noite. Desaparecendo na surdina ordinária do deserto, consomes-te no frágil nevoeiro da fidelidade. Prefiro a suprema ironia de te ver pelas costas. Há sempre uma carta tardia, um horóscopo sincopado na tua infantilidade. Acreditar nas datas perfeitas e que mais? Só tens solidão e mágoa, pútrida cara enfadonha e ensimesmada. Egoísmo e narcisismo. Foi isto que me disseram sobre as novas gerações, fechadas nos seus sons e nos aparelhos de tapar os ouvidos para o mundo. Sempre a mesma ausência de silêncio que já diagnostico há décadas, fisiologista dos sentidos que sou. Vem, com a esperança gasta das horas na plúmbea arte de manobrar as mãos. As mãos e os dias, esfera inacabada do sucesso, planta de altar-mor enegrecida, Mértola é já ali. Os Mauros da Mauritânia foram agora descobertos. E de sol a sol se planta o trigo no Alentejo sarraceno, volta a Portugal da eternidade, na perenidade de um sonho. Rufam os tambores. Baixo motor do dia. Queria um complemento poético, receitado três vezes ao dia. Verbos incondicionais, mente inquieta, horários por cumprir em demanda da saudade. Já chega de relógiose pontes, sempre o desejo em particípio passado, letras e mais números, álgebras lineares num quarto vazio. Fecha agora a porta, com um sorriso nos lábios e some-teda vista dos mortais! Na metástase do pensamento, há adolescentes a mais nas fotos de consumo imediato. Mastiga e deita fora a harmonia do mundo. Tanta zurrapa nas frontes, pistola a atirar ao ar mais medo que consolação. Um torpor que te mata e deixa-te na prisão insalubre. Escolheste a bifurcação errada e não sou eu que te vou ensinar o caminho de volta, Ícaro. Nos teus labirínticos destroços, procuras em vão Dédalo e choras copiosamente. Quem te mandou ser tão perfeccionista? Quem te disse que só de realidade é feita a argamassa dos humanos? Ah, para que fazes tantas perguntas? Procura antes o fio de Ariadne, tua única e derradeira saída. Guarda a criança dentro de ti, perde-te nas planícies imorredoiras, sacode os pés contra a terra dura e seca. Cresce e aparece! Vai já passar, o mito acalma-se na fogueira das vaidades. Preâmbulos edidascálias. Apetecia-me agora escorrer os livros com água-benta da poética militante.Quero cravar uma faca na lombada do desejo assassino, livros por encomendar. Sonho agora com o desejo de escrever um pensamento, um poema apenas. Não consigo! Quem me dera perceber-me! Algum dia perceberei o que digo, o que soletro, o que marco? Fachadas, náufragos nas pedras frias. Os cornos de lana caprina são saltos no escurode um pensamento tergiversado na névoa de um sonho. Palavra gasta e usada, palavra prostituída, calcada, rasurada, comida. Deus e o homem são inimigos fidagais. Um som inquietante chama-me lá de fora. Tenho medo de sair, tenho medo das sombras nosolhos cinzentos da morte. Uma nova promessa de acordo alucinado. Um novo prémio,das utilizações mais agudas e rápidas na história do saber digital. Falo de dedos, carpoe metacarpo. Torso e banalidades de última hora. Chá e torradas para o caminho. Violações e pestes no caminho de Pinter. Um dia farás anos e oferecer-te-ei um livro. Agora vou-me embora, apetece-me voltar ao cadafalso, com um sorriso nos dentese uma cefaleia incomensurável. Masturbo-me agora em silêncio, deixai vir a mimos remorsos de uma moral em queda livre, olhos que me reprimem e dão-me maisvontade de acabar com tudo, com a inveja, a putrefacção das cidades, os esgotos eas vozes de protesto. Ah, quero regressar, quero acordar, chamas, nuvens, a loucura. Deixai-me cair na cama dos horrores! Esta realidade é demasiado perversa e mortal! Chega. Chega! Quando queimarei tudo isto? Quantos fogos-fátuos ainda terei de cometer?
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Há 5 dias
Isto não será um texto demasiadamente longo para um blog bem mais arejado, positivo, colorido e vibrante que esse outro?
ResponderEliminarEu acho que andas a fazer publicidade enganosa.
Estes textos não valem um chavelho!
Prefiro os originais, o Herberto Hélder, o Ruy Belo, o Cesariny, o Al Berto, o Fernando Pinto do Amaral, o Nuno Júdice, o Luís Miguel Nava, o João Miguel Fernandes Jorge, o António José Forte ( e só falo dos portugueses). Dos outros prefiro nem falar! (Rimbaud, TS Elliot, Allan Poe, Kavafis, Auden). Bom, chega. Para não maçarmos mais os leitores.
Mas publica, usa à vontade. Eu até gosto! Embora finja. Porque sou um actor fingido de poeta, ou o contrário. Tudo porque as palavras são para ser usadas por todos, num processo de partilha. Por falar em partilha, o que agora anda nos meus ouvidos é António Variações. A história do Antonio Variações, tem tudo dele. E ele foi original, na sua época, que é a mi nha, é a tua, é a nossa. Até os miudos de hoje em dia gostam! Por isso, posta aí um vídeo dele. Escolhe o que mais gostares! (Esta é a pedido). Obrigado!