terça-feira, 31 de março de 2009

A gostar da poesia de João Melo

Ode às mãos
(reconstituição)

I
Mãos, doces
mãos,
boas
para o amor,
Para
a espantosa descoberta
da carne,
mãos trémulas, in-
filtrando-se
pelas húmidas fendas
do corpo,
até
tocarem
o fruto supremo
e
romperem
o frágil casulo
da alegria.

Esta fotografia olha para mim com a força invisível dos mitos. Os seus obrigatórios limites geométricos são como que uma inexorável impossibilidade, alimentada por um peso suavemente magnético. Rompe-os uma espessa e poderosa aura. Esta sombra transporta o tempo inteiro: o mergulho cada vez mais dolorido e exaltante no passado, o excessivo volume do presente, a angústia insinuada pelo futuro. Hei-de precisar destes olhos agudos como a lucidez e a coragem, da convicção destas rugas sobre a testa, destas duas mãos capturando o sonho colectivo de perfil. É tudo o que de ti me resta, pai.

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