quarta-feira, 2 de março de 2011

Lembrar é saber

Depois de Gaibéus, de Alves Redol, Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, é considerada uma das primeiras obras romanescas filiadas numa estética neo-realista, numa primeira fase de afirmação deste movimento literário. Denunciando as duras condições de vida das crianças que trabalham nos telhais para sobreviver, Esteiros apresenta-nos um protagonista colectivo, os "filhos dos homens que nunca foram meninos", como Sagui, Maquineta, Guedelhas, Gaitinhas e Gineto, na sua luta trágica contra a miséria e contra a opressão desumana de uma sociedade submetida à exploração capitalista.

O discurso narrativo é estruturado pela passagem das estações, o que remete para a dependência da actividade económica relativamente à Natureza, impondo à classe que vive do fabrico de tijolos o emprego ou o desemprego, mas também para uma circularidade temporal que aparentemente não é gérmen de mudança, sendo a Natureza espectadora impassível de uma história humana marcada pela gradação crescente de situações disfóricas. Com efeito, as crianças e algumas personagens individualizadas descrevem um pequeno percurso de vida, onde a desgraça se multiplica, sem esperança e sem remédio, capítulo após capítulo, culminando com situações de morte, prisão, embriaguez, loucura, fazendo eco de um conflito surdo de classes que se institui de forma hierarquizada: Zé Vicente, pequeno tiranete dos telhais, é, ele também, oprimido até à falência pelo proprietário dos terrenos, o Sr. Castro, sendo, como a gente dos esteiros, crianças e adultos, sugado por interesses económicos.
As únicas notas de mudança que indiciam a possibilidade de tomada de consciência e consequente libertação da classe explorada, são, na opinião de Isabel Pires de Lima (prefácio à 5.a edição, 1981), a solidariedade que une os garotos e a partida de Gaitinhas, no fim do romance, símbolo da "busca dessa alvorada libertadora".
No âmbito de uma estética romanesca neo-realista, Esteiros privilegia, numa tentativa de representação verosímil da dinâmica social e não perdendo de vista a acessibilidade da escrita, a objectividade, a frase simples e o discurso directo, dando, sempre que possível, a voz às próprias personagens.
Infopédia

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